As ameaçadas tartarugas-verdes, em suas longas jornadas pelos oceanos abertos, ainda encontram refúgios seguros para a reprodução. E alguns dos principais estão em águas brasileiras. O Atol das Rocas, a 270 quilômetros de Natal -RN, é um deles. Entre os meses de novembro e maio, centenas de fêmeas da espécie sobem as praias de areia branca da ilha em busca de locais apropriados aos seus ovos e futuros filhotes. A cada temporada, são deixados ali cerca de quinhentos ninhos com, em média, 120 ovos cada um. Esses números fazem de Rocas o segundo maior sítio de reprodução da espécie no Brasil.
Fiz três viagens para Rocas com o objetivo de produzir a reportagem fotográfica para um livro sobre essa reserva biológica e para a matéria “Um berçário no Atlântico”, publicada na edição de Março de 2001 de National Geographic Brasil. As tartarugasverdes, claro, sempre estiveram na
A desova é um momento muito interessante. E comovente. Primeiro pelo esforço das fêmeas para arrastar seus corpos pesados sobre a areia fofa em busca do espaço ideal para o ninho, normalmente bem longe da água . Depois pela operação de cavar um buraco fundo com as patas traseiras. Tudo parece muito custoso para um animal essencialmente moldado para as águas abertas. Os olhos lacrimejam , a respiração fica ofegante, o corpo estremece. Dá vontade de ajudar. Passam horas até que os ovos começam a sair, um após o outro. Depois disso tudo , ainda tem o caminho de volta ao mar – uma etapa as vezes perigosamente surpreendente.
Numa manhã, eu andava pela praia muito cedo quando encontrei um rastro muito fresco de tartaruga. Ao voltarem para a água, depois da desova, elas deixam marcas na areia parecidas como os sulcos dos pneus de um trator. Fui seguindo a trilha e, para minha surpresa, no final dela, na fronteira entre a areia e o recife raso, jazia deitada uma grande tartaruga-verde imóvel, encalhada , separada da liberdade do mar aberto por mais de 200 metros de recifes cortantes, completamente expostos pela maré baixa. Depois soube que algumas tartarugas se demoram demais na desova e quando retornam ao mar a maré já esta baixa demais. Isso, em Rocas, pode ser fatal , já que as ilhas arenosas são totalmente cercadas por recifes rasos.
Para aquela fêmea,a próxima chance de atravessar o recife só viria em seis horas, na próxima maré alta. Não sabia exatamente o que esperar, ela conseguiria aguardar a subida da água ou sucumbiria ao calor escaldante do sol equatorial, bem no meio do dia? Não tinha nada a ser feito, a não ser sentar e esperar.
Fiquei ali molhando o casco do bicho enquanto a minha própria pele cozinhava sob o sol. Era triste ver aquele animal torrando na areia depois de tanto esforço para colocar seus futuros filhotes em lugar seguro. Mas, não posso negar, a oportunidade para registrar uma cena rara , de contar uma história interessante, também me seduzia. Resolvi correr para pegar a câmera subaquática, guardada na base de pesquisa, a meia hora de onde eu estava – embora na areia solta qualquer deslocamento pareça extremamente longo e cansativo.
As onze da manhã, água já batia no casco no animal e percebi os primeiros movimentos mais vigorosos das nadadeiras. Ficou claro: ela estava bem e conseguiria nadar assim que a profundidade permitisse. Tratei de me posicionar na sua possível rota de escape; queria registrar a cena de frente e sabia que não teria muitas chances. Na água, as tartarugas são ágeis e conseguem nadar em velocidade. Optei por usar uma objetiva 16 mm na minha Nikon N90s , a melhor ferramenta disponível para captar a essência daquele momento : o animal imerso em seu ambiente , a água salvadora e os horizontes de possibilidades depois da superação de um obstáculo; a vida que segue seu curso.